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Wednesday 11 April 2007

A gente ficou escutando no tapete da sala o piano da música. Ela é fã do Arnaldo. Ela gosta de beber e ficar repetindo pra eu prestar atenção. Olha a letra, olha a letra. Agora olha aquele barulhinho lá no fundo. Você sabe o que é que ta fazendo isso? Você não ta prestando atenção. Presta atenção, porra. Olha que lindo. Olha que lindo!Depois colocou aquela música que ela ta escutando agora sem parar. Foi bem na parte que ele cantou “muito triste pensar em você com quem não vive depois da morte / seria o maior barato tocar seu coração / vivo a pensar / pra frente / quando não mais houver cidade / vou te achar / com mil anos de idade...” que ela olhou dentro dos meus olhos daquele jeito. Queria não ter visto. Isso começou a me incomodar, não por que me senti culpado, mas por que eu não tinha sequer o que dizer diante daqueles olhos ansiosos. Não consegui nem pedir desculpas. Desviei. Ela disse que eu nunca prestava atenção em nada. Sorri em resposta, mas eu sabia que ela não tava brincando. Ela se serviu de um cigarro do meu maço, apesar do maço dela estar cheio sobre a mesa. Ela tem mania de fazer isso. Rouba meu copo, toma minha tequila mesmo odiando tequila, fuma meus cigarros e se seca com a minha toalha. Isso me irrita de vez em quando. Ela não pede nada. Ela nem nunca pediu pra eu ficar. Ela sabe que eu tenho que ir uma hora. Ela sempre fica na dúvida se a gente vai se ver de novo. Eu digo relaxa, garota. Dou um beijo na testa dela deixando pra trás os olhos baixos e tristes que ela tem. Às vezes ela fica sentada olhando eu ir embora. Eu olho pra trás e ela ta lá, sentada na calçada, com uma expressão indecifrável. Malditas expressões essas que ela faz. Eu fico preocupado. Ela diz as vezes que não sabe onde enfiar o coração dela. Assim do nada. Depois pede desculpa. Diz que está bêbada. Pega o último cigarro do meu maço e muda de conversa. Se eu pudesse eu até te levava, garota. Mas eu não posso. Vai que a culpa vira minha.