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Wednesday 27 February 2008

Um diamante no poço


Para Flávio de Franco
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Só que desta vez, só desta vez, a gente pode não se dar um abraço de conforto no fim da noite. Eu sempre amei todos aqueles homens da minha vida, que fizeram dela essa confusão. “Você devia andar mais com as meninas” sempre me disseram. Claro que eu nunca dou ouvidos a essas coisas meio sem motivo. E claro que eu ia me apaixonar perdidamente pelo menininho que pagou um copo de bombeirinho pra mim quando eu tava triste ali na arquibancada daquele lugar enorme, só por que eu tava triste por causa de outro homem, outro que não valia a pena, que dormia ali ao lado. Claro que a gente ia beber juntos e claro que a gente não ia se perder. Por algum motivo, essas coisas que tem que ser, essas pessoas que a gente tem que encontrar, você entrou pro clube, fez dos meus amigos seus amigos sem ter que me envolver na confusão. Aí você me contava das suas garotas, eu te contava dos meus garotos, a gente tentava cuidar um do outro e lógico que você sabia que eu precisava de cuidados, ao passo que você sempre foi melhor que eu. Claro que eu ia morrer de ciúmes da sua primeira namorada, e claro que você queria que eu tomasse meu caminho pra parar de chorar todas as noites por causa dele, aquele que eu também amo ainda, mas de outro jeito. Aí você me ensinou a jogar truco e eu ganhei de você várias vezes. Aí você me ensinou a jogar bilhar e eu também ganhei de você. Um menino e uma menina, sim. Claro que você ia tirar aquela musica da Chan Marshall que você odeia só pra me ensinar a tocar, por que eu adorava e cantava ela o tempo inteiro. Aí você desenhou pra eu não esquecer, eu tenho a folha. Eu sou cheia dessas coisas que não servem pra nada. Você sabia que eu não era amiga pra sentar no colo, nem pra ficar beijando, nem pra ficar flertando, nem pra ficar passando a mão no cabelo. Você sabe que eu não gosto que peguem em mim. Eu sabia que podia confiar em você. Sabia o que você faria pra não me magoar e sabia o que você faria pra eu não me foder mesmo que fosse me magoar e eu fosse entrar naquelas minhas histórias de fim de mundo. Você agüentou meus homens errados e eu agüentei todas e todas as suas mulheres erradas, “são erradas”, eu dizia, mas mesmo assim entregava seus bilhetes e recados pra elas, depois você vinha e dizia “são erradas”. Apostávamos garrafas de vinho. Brincávamos de lutinha e de pegar o dedão da mão do outro com o próprio dedão, sem usar os outros dedos, não sei se essa brincadeira tem um nome, mas se tiver, de que adianta? Eu sempre perco. Jogávamos rolhas e gelo dentro das blusas um do outro, bagunçávamos o cabelo um do outro (lembra quando eu tinha um cabelão? – aliás, lembra quando você também tinha um cabelão?), e conversávamos tomando long necks nas calçadas de São Paulo, longamente e sem descanso, sobre os nossos problemas, os problemas dos outros e sobre o mundo e sobre mulheres, homens, e música e crenças e teorias e planos. A gente dançava e assistia as bebedeiras do outro com todo carinho. Se eu caísse, você me segurava, se você caísse (quase nunca caiu) eu te segurava, e quando queríamos cair os dois, então caíamos os dois e levantávamos os dois e ríamos juntos.
Ai, menino. Eu não entendo você. Eu não entendo homens. Eu convivo com eles e eles me enlouquecem. Mas você é meu melhor amigo. As vezes, eu acho até que você sou eu.
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