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Wednesday 27 February 2008

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Que noite triste. Quanto resto de coisas no chão. Olha pra baixo. Só tem restos. Só tem restos e eu acho que faço parte. Justo eu que tenho tanta coisa pra fazer. Fazer meu maço de cigarros durar pelo menos três dias. Deixar de ser tão afobada. Chegar na hora certa. Parar de marcar encontros. Amar um homem por vez. Eu não consigo. Preciso parar de mentir. Dizer coisas sem sentido. Dizer coisas erradas. Pensar mais, falar menos. Fazer mais, esperar menos. Descansar mais, amar menos. Tudo na medida errada. Desfazer aquele monte de roupas do quarto. Não tenho mais espaço pra andar. Nem pra abrir meu guarda roupas. Parar de escrever e-mails. Parar de esperar respostas de e-mails. Rever os amigos. Me explicar pra eles e pedir desculpas. Abraçar meu pai. Parar de dever no banco. Ligar pra ele, eu disse que ia ligar. Ele me fez prometer. Eu prometi. Parar de sentir vergonha. Parar de olhar as costas alheias. Parar de roubar os homens das outras. Ficar com um só pra mim. Limpar as cinzas do meu teclado. Parar de rir escandalosamente. Parar de chorar com musiquinhas. Escrever mais, nada pros outros. Escrever minhas coisas. Sustentar meus sites. Responder meus recados. Dormir na hora certa. Parar de andar morrendo pelos cantos. Eu preciso. Tenho que aprender mais, ser mais esforçada. Não ser só alguém que está ali. Debater. Erguer a cabeça e mandar tomar no cu quem tem que tomar no cu. Deixar as unhas crescerem. Pintar elas de vermelho. Parar de machucar os outros. Parar de filosofar em voz alta. Parar de rir de piada sem graça. Aprender a tocar violão direito. Aceitar que eu não sei escrever poesia. Parar de escrever poesia. Sumir com as poesias do blog. Mudar o nome do blog. Mudar meu nome, usar o de verdade. Ler mais livros. Manjar de literatura clássica. Aprender a pronunciar Litz. Parar de deixar pra lá. Resolver as coisas eu mesma. Aprender a matar baratas sem suar, tremer e sair correndo. Renovar meu guarda roupas, comprar as lentes certas pros meus óculos. Parar de pensar nele. Entender que as pessoas têm coisas pra fazer. Parar de dançar só em casa. Engordar três quilos. Comprar botas novas.
Só que eu não sei por onde começar. E nem como.
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Um diamante no poço


Para Flávio de Franco
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Só que desta vez, só desta vez, a gente pode não se dar um abraço de conforto no fim da noite. Eu sempre amei todos aqueles homens da minha vida, que fizeram dela essa confusão. “Você devia andar mais com as meninas” sempre me disseram. Claro que eu nunca dou ouvidos a essas coisas meio sem motivo. E claro que eu ia me apaixonar perdidamente pelo menininho que pagou um copo de bombeirinho pra mim quando eu tava triste ali na arquibancada daquele lugar enorme, só por que eu tava triste por causa de outro homem, outro que não valia a pena, que dormia ali ao lado. Claro que a gente ia beber juntos e claro que a gente não ia se perder. Por algum motivo, essas coisas que tem que ser, essas pessoas que a gente tem que encontrar, você entrou pro clube, fez dos meus amigos seus amigos sem ter que me envolver na confusão. Aí você me contava das suas garotas, eu te contava dos meus garotos, a gente tentava cuidar um do outro e lógico que você sabia que eu precisava de cuidados, ao passo que você sempre foi melhor que eu. Claro que eu ia morrer de ciúmes da sua primeira namorada, e claro que você queria que eu tomasse meu caminho pra parar de chorar todas as noites por causa dele, aquele que eu também amo ainda, mas de outro jeito. Aí você me ensinou a jogar truco e eu ganhei de você várias vezes. Aí você me ensinou a jogar bilhar e eu também ganhei de você. Um menino e uma menina, sim. Claro que você ia tirar aquela musica da Chan Marshall que você odeia só pra me ensinar a tocar, por que eu adorava e cantava ela o tempo inteiro. Aí você desenhou pra eu não esquecer, eu tenho a folha. Eu sou cheia dessas coisas que não servem pra nada. Você sabia que eu não era amiga pra sentar no colo, nem pra ficar beijando, nem pra ficar flertando, nem pra ficar passando a mão no cabelo. Você sabe que eu não gosto que peguem em mim. Eu sabia que podia confiar em você. Sabia o que você faria pra não me magoar e sabia o que você faria pra eu não me foder mesmo que fosse me magoar e eu fosse entrar naquelas minhas histórias de fim de mundo. Você agüentou meus homens errados e eu agüentei todas e todas as suas mulheres erradas, “são erradas”, eu dizia, mas mesmo assim entregava seus bilhetes e recados pra elas, depois você vinha e dizia “são erradas”. Apostávamos garrafas de vinho. Brincávamos de lutinha e de pegar o dedão da mão do outro com o próprio dedão, sem usar os outros dedos, não sei se essa brincadeira tem um nome, mas se tiver, de que adianta? Eu sempre perco. Jogávamos rolhas e gelo dentro das blusas um do outro, bagunçávamos o cabelo um do outro (lembra quando eu tinha um cabelão? – aliás, lembra quando você também tinha um cabelão?), e conversávamos tomando long necks nas calçadas de São Paulo, longamente e sem descanso, sobre os nossos problemas, os problemas dos outros e sobre o mundo e sobre mulheres, homens, e música e crenças e teorias e planos. A gente dançava e assistia as bebedeiras do outro com todo carinho. Se eu caísse, você me segurava, se você caísse (quase nunca caiu) eu te segurava, e quando queríamos cair os dois, então caíamos os dois e levantávamos os dois e ríamos juntos.
Ai, menino. Eu não entendo você. Eu não entendo homens. Eu convivo com eles e eles me enlouquecem. Mas você é meu melhor amigo. As vezes, eu acho até que você sou eu.
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Deve ser por que os vizinhos não gostam de mim. Deve ser por isso que estão todos no meu corredor agora. Tenho um quintal que na verdade, é um corredor. A Michele chama de quintal. Eu chamo de corredor. Pode até parecer um quintal. Mas é um corredor. Estão todos ouvindo Roberto Carlos no último volume em plena meia noite e cantando junto, por fora do meu corredor. Estão nessa putaria desde as oito horas da noite. Que eu saiba. Mas deve ter começado há bem mais tempo. Eu não tenho saco. Tudo está me irritando profundamente esta noite. Mas o Roberto Carlos, ahhh, o Roberto Carlos. Ele e seu como é grande o meu amor por você e todos os seus fãs chatos. Eu estava até bem antes de chegar em casa. Casa é feita pra gente descansar, ouviram? DESCANSAR. Parem de gritar música ruim nos meus ouvidos cansados.
Tem um dedo de Martini na geladeira. Odeio Martini, não tomo desde que me conheço por gente, sinto o cheiro e logo penso que quero ir vomitar na privada mais próxima. Ah, agora estão cantando os caracóis. Embaixo dos cabelos. Sempre tive uma má impressão sobre essa música. Desafinados. E tentando parecer cantores, cantando com maniazinhas. Vamos, me irritem mais. Me irritem mais. Tem miojo fazendo, que eu queria comer em silêncio. O miojo sagrado de todo dia. Comida de gente que, que nem eu, não tem tempo. Sou obrigada a ouvir musica em casa pra ficar mais alto que o som da festinha de corredor. Eu voltei e agora pra ficar. É isso que eles cantam lá fora agora. É foda. Vou ter que escutar música até às seis da manhã. Amanhã é minha folga. Eu queria dormir. Eu só tenho um dia por semana pra dormir. Eu preciso. Faz bem pra minha saúde. Não gosto que me incomodem. Minhas festinhas são dentro de casa. Ouviram? Dentro. Não na frente do corredor dos outros. Essa noite eu queria ter paz. E queria que ele me acordasse de manhã. E queria ouvir ele e ver ele e ficar agarrada nele. Vamos ver.
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